quarta-feira, 24 de março de 2010

Abismos nunca mais

Se Elis Regina estiver certa, “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Mas, se João Alexandre estiver certo, podemos até ser os mesmos, mas existe um abismo imenso entre nós. E como diminuir esse espaço? Como Deus pode ser para nós “ponto de encontro”? Para responder a esses questionamentos, nada melhor do que os extremos do abismo: um pai e um filho. O pai, Valdir Steuernagel, já é uma figura conhecida: é articulista de Ultimato desde 1994, ano em que o filho, Marcell, ainda era um adolescente. Hoje Marcell é músico (vocalista da banda Golgotha) e tem um ministério com jovens. Valdir é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial.

A juventude é um período rebelde?

Marcell - A própria percepção deste “período rebelde” por parte da igreja e dos pais mostra o quanto a juventude é uma época turbulenta. Muitos líderes e pastores querem que as crianças de suas comunidades se tornem adultos comprometidos e maduros de uma hora para outra. Além de irreal, tal atitude é uma negação irresponsável de um dos períodos mais belos da vida.

Não creio que a rebeldia se dê em relação à “cultura” de maneira geral. O que acontece é uma crescente diferenciação entre a pessoa e o meio. Surgem perguntas como “quem sou eu”, “no que acredito realmente”, e outras do mesmo gênero, e é preciso respondê-las. 

Em relação aos pais e à igreja, a relação é mais turbulenta. Precisa haver flexibilidade por parte da geração mais antiga para abraçar as novas formas de expressão e de estilo de vida que são “importadas” para dentro da igreja à medida que suas crianças se tornam adolescentes e depois, jovens.

Cada geração enfrenta e resolve seus próprios problemas -- não é viável pedir aos pais que resolvam todos os problemas ligados à geração de seus filhos.

Valdir - A juventude não é questão de rebeldia, mas de espaço. O jovem precisa de espaço para crescer, experimentar e definir rumos. Se a igreja e os pais oferecem e impõem mais controle e barreiras do que espaço e convite, a rebelião acaba se instalando. Silêda e eu vimos a importância disso ao criar nossos filhos. Assim, procuramos ser firmes no que considerávamos essencial e flexíveis no que considerávamos secundário (comprimento do cabelo, roupas, piercings), buscando praticar o diálogo e a tolerância em amor. Também foi importante encontrar uma igreja biblicamente saudável, que desse espaço e cativasse os filhos, especialmente na adolescência.

Quando se é jovem, qual conflito é maior: com os pais ou consigo mesmo?

Marcell - O estopim do conflito é o choque com a geração anterior. O conflito consigo mesmo vem logo atrás, e exige um pouco mais de maturidade. A criança vive conforme a palavra dos pais -- o adolescente desafia esta palavra e descobre quem é, e o jovem desenvolve esta diferenciação e se torna uma pessoa autóctone. É um processo bonito e pode ser saudável. É responsabilidade dos pais e da igreja facilitar esta transição com sabedoria e com a maturidade que estes futuros adultos ainda irão desenvolver, proporcionando um ambiente em que o amor é palavra fundamental. 

Valdir - Os dois estão relacionados. O conflito com a geração anterior é necessário quando o jovem não encontra espaço para as perguntas do seu crescimento e afirmação. É também necessário quando o jovem, ao sonhar o seu mundo e o seu futuro, encontra uma realidade que os adultos afirmam “sem espaço para mudança”, ou quando a realidade que os adultos “oferecem” aos jovens é hipócrita, injusta e fedorenta. Porém, essa mesma hipocrisia, injustiça e fedor, o jovem pode encontrar em seu próprio grupo, embora ele precise do grupo para cultivar relacionamentos e desenhar pertencimento. E esta necessidade pode ser ainda maior quando nem o relacionamento nem o pertencimento são cultivados em casa.

Juventude é uma fase em que se quer “chutar o balde” e romper com as tradições, entre elas a igreja. Crer em Deus parece careta. Por outro lado, é uma fase em que muitos firmam seu compromisso com Deus. Qual é a vez da fé quando se é jovem?

Marcell - Este é um período marcado pela intensidade, e isso se estende para o relacionamento com Deus. Muitos jovens fundamentam sua fé à medida que estabelecem sua personalidade diante do mundo e definem de maneira mais clara quem são e qual seu papel no contexto social. Essa ideia de que “ser cristão é careta” é ultrapassada -- assim como a própria expressão. As divisões sociais hoje são mais complexas, como também a fase de vida dos jovens. 

Este ainda é um período excelente para apresentar a pessoa de Cristo a quem quer que seja, porque a desesperança e a inflexibilidade que marcam a vida adulta nas grandes cidades ainda não se enraizaram na alma do jovem. É uma época crucial para um bom discipulado e para o desenvolvimento de amizades que incluam o exercício da fé. Estas ferramentas possibilitarão um ingresso mais sólido na vida adulta.

Valdir - Silêda e eu íamos ao culto de manhã. Porém, quando os meninos entraram na adolescência, não havia jeito de irem conosco. Eles sempre iam à igreja no domingo à tarde, para algum programa, e ficavam para o culto da noite. Aos poucos percebemos que, se quiséssemos ir à igreja em família, o que julgávamos muito importante, deveríamos mudar de horário. Até hoje continuamos a ir ao culto noturno -- e os filhos também. Deus não é careta. A pergunta é se nós desenhamos para os nossos filhos a face de um deus careta, em função de uma vivência de fé tradicional e engessada. Os jovens se relacionam com Deus até com muita facilidade, e o segredo é que eles encontrem uma igreja que os abrace, suporte e envie.

Como a igreja e os jovens podem manter uma relação saudável? 

Marcell - Muitas vezes, o jovem é o mais conservador e intransigente da igreja! Ensinar o jovem a dialogar é essencial para que as partes envolvidas cresçam e amadureçam como família da fé. Os jovens precisam receber com carinho a herança de seus pais. Não adianta querer reinventar a roda. Toda geração acredita, em algum ponto, que está recomeçando do zero. Na verdade, é uma continuidade turbulenta de erros e acertos -- alguns repetidos, alguns originais. Abraçar a herança da família cristã é bom e permite a criação de um ambiente de confiança em que perguntas podem ser feitas sem medo de retaliação.

Os mais velhos precisam entender que eles não têm todas as soluções simplesmente porque estão por aí há mais tempo. Muitas vezes, o jovem que convive com um nível tecnológico avançado, com relações interpessoais altamente complexas e que não eram permitidas há vinte anos atrás, com a globalização e com a pressão crescente de uma cultura de mercado, precisa criar espaço para responder às perguntas da geração. Uma resposta pronta, vinda de cima para baixo, não ajudará neste processo. O ideal é um misto de espaço concedido e firmeza amorosa nos relacionamentos.

Se a igreja não abrir espaço para novas manifestações sociais e culturais, irá morrer. É preciso encontrar espaço para o jovem e para que ele encontre maneiras de redimir, em nome de Cristo, a cultura de sua época. Uma igreja que não dialoga, que não abre espaço, perderá seu sangue jovem em pouco tempo e morrerá sem continuidade e sem relevância nos dias de hoje.

Valdir - Aprendi recentemente que as crianças têm uma espiritualidade natural e uma vontade enorme de relacionar-se com Deus. Então, os adultos ensinam que elas devem “crescer”, “amadurecer” e “abandonar essa fé infantil”. Assim, as crianças vão empobrecendo e a juventude, se entristecendo. Há uma relação natural entre o ser humano e Deus e a igreja deve ser o espaço onde o jovem pode alimentar ou reencontrar essa relação.

A igreja precisa do jovem. Aprendi com Eugene Peterson que a adolescência é uma oportunidade de rejuvenescimento para os pais. De igual forma, os jovens são também uma oportunidade de rejuvenescimento para a igreja, para que ela não perca sua vitalidade e testemunho. Uma vitalidade que se transforme em caminho de discipulado, na medida em que os mais velhos ministrem aos jovens os caminhos de um Deus que, desde os tempos de Abraão e Isaque, tem sido “pai e mãe” para nós.

É verdade que quando se é jovem se pensa muito no futuro, quando se é velho se pensa muito no passado?

Marcell - Talvez falte aos jovens de hoje pensar mais, de maneira geral. Os jovens se alimentam sim de uma esperança no futuro, que parece cheio de possibilidades. Há tempo e energia pela frente. Há vigor, ímpeto e paixão. Em um relacionamento de diálogo com os mais velhos, temos uma química perfeita para que se cumpra a missão da igreja: a força da juventude com a sabedoria contemplativa, com a maturidade relacional da geração mais velha. Esta união é necessária para o desenvolvimento integral da igreja, e é crucial para que a comunidade cristã seja relevante no seu contexto: um olho no passado, na herança recebida, na maturidade linear das gerações que se sucedem, e o outro olho no futuro, na tarefa missionária que ainda está aí. E um coração enraizado no momento atual, que é o momento das decisões e das ações que resultarão em transformação.

Valdir - Não sei. Ainda não cheguei lá -- só tenho 60 anos! Sou uma pessoa que olha para o futuro e tem pouca paciência para olhar para o passado. Agora, por exemplo, estou pensando no tanto que posso fazer depois de me aposentar, aos 65 anos. Vai faltar tempo para tudo!

A verdade é que começamos a olhar mais para o passado quando ele é mais longo. Eu, quando o faço, sinto saudade de um tempo que passou muito depressa. Os filhos cresceram muito rápido e a Silêda poderia ter sido muito mais amada. 

Você acha que será muito diferente quando tiver a idade do seu pai?

Marcell - Sempre dizem que sou parecido com meu pai -- e isso serve para bons e maus aspectos. Como dizem os alemães, “a árvore não cai longe do pé”. É bonito poder aceitar esta proximidade e trabalhar juntos na seara do reino de Deus. Não gostaria que fosse diferente, pois esta parceria é parte integral do relacionamento que temos hoje -- cada um no seu fórum de atuação, mas unidos pelo amor a Cristo e pelo serviço.
Creio que, quando tiver a idade do meu pai, serei mais eu mesmo do que sou hoje -- e isso inclui ser mais parecido com meu pai naquilo que eu já tenho de similar, e mais diferente naquilo que me é único.

Você mudou muito desde a época em que tinha a idade do Marcell?

Valdir - Quando eu tinha a idade dele, estava pastoreando uma igreja em Pelotas, RS. Se eu voltasse lá hoje, procuraria ser diferente. Buscaria ser mais relacional e menos programático. Mais amoroso e menos dado a “profetadas”. Isso indica, espero, que mudei para melhor. Por outro lado, me entristece ver que fiquei mais acomodado e mais burguês. Até estou retomando dimensões proféticas de justiça que eu abraçava com mais vigor naquela época e que hoje vejo o Marcell querendo integrar no seu ministério. Mas hoje ainda tenho mais cabelo do que ele...

Qual a melhor coisa que você já aprendeu com seu pai?

Marcell - Aprendi muitas coisas boas com meus pais. É difícil escolher uma, pois qualquer aspecto vem amarrado nos outros. 

Mas duas delas são úteis e importantes até hoje: diálogo e flexibilidade. Uma boa conversa serve para quase tudo, desde que tenhamos a disposição de conversar e enfrentar as dificuldades que surgem nos relacionamentos. A flexibilidade é a humildade de saber ouvir, se adequar, mudar conforme o contexto se modifica e os desafios mudam. Sem nunca perder, é claro, a boa teologia bíblica como base e a disciplina diária da fé cristã, que nos identificam como servos da Palavra. Há um centro imutável, que se configura através de quem somos em Cristo, e uma realidade que precisa ser vivida de maneira sábia e ponderada – sem perder o ímpeto da ação que caracteriza o bom trabalhador. Para aqueles que se comprometem com a obra do reino, não fazer nada não é uma opção. Há muito serviço, e há espaço para pais e filhos trabalharem lado a lado nesta seara.

Qual a melhor coisa que o Marcell já lhe ensinou?

Valdir - Difícil, da lista que fiz, qualificar uma de “melhor”. Outro dia fui ao parque com ele e Arthur, seu filho mais velho. Quanto este protestou na hora de ir embora, Marcell me disse: “Se eu pudesse, viria ao parque com o Arthur todos os dias”. Um tempo antes, ele havia me mandado um e-mail perguntando se o filho dele teria um avô ou se eu só seria, para ele, uma figura correndo o mundo. Nunca esqueci este e-mail no qual meu filho me chama a rever prioridades e a construir a relação, e não somente montar atividades e preencher agenda. Estou tentando, Marcell! Estou tentando.


Extraído de Revista Ultimato

terça-feira, 16 de março de 2010

Conferência Missionária 2010


Conferência Missionária 2010, acontecerá nos dias 11 a 13 de abril,
na Comunidade do Redentor, Rua Trajano Reis, 199.
Com Gedeon Lidório Jr *, sobre Missão Transcultural

Horários:
11 de abril: 10hs e 19hs
12 de abril: 20hs
13 de abril: 20hs



HAVERÁ CONFERÊNCIA INFANTIL!!!
A missionária Christel Grigullestará com as crianças.

*GEDEON LIDÓRIO JR: Atua desde o início de sua carreira (1981) como professor de Teologia, Antropologia e Missões; diretor de diversas instituições de ensino teológico-missionário; redator de revistas e jornais missionários, editor de livros e publicações teológico-missionárias (material didático para escola dominical e livros para disciplinas missionárias); conferencista em seminários, workshops, consultas e congressos missionários; escritor, tendo publicados vários ensaios e artigos teológico-missionários para vários jornais, revistas e sites especializados; missionário de apoio ao plantio de igrejas entre povos não alcançados na África e Amazônia; gestor administrativo de diversas instituições (prefeituras, escolas teológicas, escolas missionárias e editoras); gestor de TI (tecnologia da informação). É graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana e pós graduado em Missão Urbana (Doctor of Ministry) também pela FTSA.


*Christel Grigull ou Didi, como é conhecida, missionária entre as crianças, tem trabalhado com a MIAF no ensino de missões para crianças em acampamentos, conferências missionárias e também no treinamento de professores de crianças no Brasil e na África. Ela é responsável pelo novo ministério da MIAF o MIAF KIDS.